terça-feira, 21 de abril de 2009

Filhos do massacre de Ruanda




Em 1994, enquanto o Brasil gritava “el, el, el, vai que é sua Tafarel”, um país da África, do qual pouco se fala hoje, chorava a morte de cerca de 1 milhão de pessoas. Naquela época, o mundo se voltava para os gols da Copa do Mundo e Ruanda, entre facões e sangue, travava um dos conflitos civis mais sangrentos da história humana.


Em abril daquele ano, os chamados Tutsis e Hutus iniciaram uma guerra “aberta” que durou cem dias. Quem viu o filme Hotel Ruanda, sabe: corpos espalhados pelo chão, medo nos olhos e uma certeza —a de que “eles não se importam com vocês, africanos”. Essa era, ao menos, a conclusão do general das Nações Unidas (um dos personagens do filme), que em uma cena conta a Paul, gerente do Hotel Mille Colines, que os belgas iriam ao local apenas para levar todos os estrangeiros (brancos) de volta à Europa —deixando milhares de refugiados (negros, africanos) para trás, à mercê da violência.


Curioso. Eles mesmos criaram os motivos para a indisposição entre as etnias e, na hora que a luta emerge, não conseguem (ou não querem) lidar com o “ímpeto violento do ruandês” —como devem ter justificado naquele tempo. Ocorreu que, no processo de colonização, a Bélgica ignorou a realidade do país —de maioria étnica hutu— e concedeu favores à minoria tutsi. Obviamente, desde 1962, ano da independência do país, uma guerra de poderes se instalou, vindo a eclodir em 1994. (Graças às decisões belgas de outrora!)


É um exemplo de colono cara de pau (como muitos outros). Motivo para um estudo profundo que remete à colonização de todos os países da África. Mas não importante o suficiente para ganhar a credencial de figura notável deste blog. Acho que entre belgas, assassinos, tutsis, hutus e o gerente do hotel que abrigou pouco mais de mil refugiados, o título não poderia ir para outro grupo que não as CRIANÇAS —hoje jovens entrando na fase adulta.


Atualmente, entre vários números que a internet aponta, há uma média de 290 mil pessoas órfãs, que tiveram os pais mortos no massacre. Muitas viram de perto extremistas hutus, sem piedade, utilizarem facões para o assassinato —motivo pelo qual, no filme, Paul diz a sua mulher algo parecido com: “Querida, caso eles invadam o hotel, traga os meninos aqui para o último andar, segure as mãos deles e pule. Porque morrer daquele jeito não é digno”.


Dignidade para continuar a vida é tudo que os órfãos daquela época devem buscar hoje. Superar o trauma não deve, definitivamente, ser fácil. Apesar de agora se evitar o uso das palavras tutsi e hutu (é considerado crime na Ruanda o empregos dessas expressões de forma ofensiva), a ferida ainda está aberta, com certeza. Afinal, são quinze anos sem carinho de mãe e pai.


Para quem tinha, por exemplo, três anos de idade na época, é praticamente uma vida toda sem identidade —e cujo referencial passa a ser o massacre. Quem são seus pais? Não sei. Eu não os conheci. Eles morreram naquele genocídio de 1994. Naquele conflito que ocorreu em nome de não sei o quê.


E agora, quando eles começarem a construir suas próprias famílias, penso como o medo não deve rondar os corações. Qual filho merecerá crescer como seus pais? Quem não achará fundamental e crucial ter o apoio familiar na vida? A esperança desse povo deve ser pura e simples: viver e construir famílias em paz. Sem faca, sem sangue.



Em entrevista ao jornal O Globo (12 de abril), Márcio Gagliato, que desenvolve trabalho em áreas de conflito e miséria da África pela ONG Care, afirma: “A presença do trauma do genocídio é o principal problema do país, maior inclusive que a pobreza. A grande questão é que ele não está sendo trabalhado. Tratar esse trauma coletivo devia ser a prioridade número um, e não transformá-lo num tabu. Quando reprimido, o trauma volta como forma de sintoma.”

“A primeira semana de abril é muito difícil para todos eles, justamente porque é quando as feridas do passado voltam a ficar expostas. O número de pessoas que ficam doentes nessa época é absurdo.”


“Lembrar o genocídio é melhor que simplesmente esquecê-lo. As pessoas precisam manter vivo na memória o que aconteceu neste país para que isso nunca mais se repita”, Edwin Musoni, jornalista ruandês.


Portanto, aí relembramos. Que o jovem ruandês, filho do genocídio de 94, consiga superar o trauma e promover a paz no país. E, claro, dar a seus filhos o carinho paterno que não pôde ter.


*fotografia: Ana Rita Carvalho - http://br.olhares.com/


3 comentários:

  1. "Come one!!!" hehehe! Journalist friend makes me soooo proud! Kisses!

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  2. YOU make me proud, my friend!rs,rs!
    Quando crescer, quero ser igual a você.
    :)

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  3. Ainda não defini, pq tenho esse semestre ainda para pensar, mas o provavel tema da minha monografia será sobre refugiados com o provável estudo de casa de Ruanda! =)

    Semestre que vem te conto se animei essa empreitada mesmo!!! ;)

    Amei esse texto!
    Beijo!

    Lídia

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